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Lições vindas de Luanda.

Em 2014 presenciei uma das experiências mais marcantes na minha vida. Pisei em solo Angolano, em Luanda, juntamente a uma missão empresarial na cidade, com fins de prospecção de clientes. Quando piso pela primeira vez em um país, me alimento de expectativas e possíveis desafios que possa encontrar, tentando sempre prever situações e me organizar o máximo possível, desde cultura, economia, informações que sejam pertinentes e que torne minha estadia no país o mais rentável possível para a empresa em que trabalho. O que mais me marcou na chegada foi a recepção angolana para com os brasileiros, me senti realmente em casa pelo carinho, respeito e bom humor de todos. Luanda em si apresenta contrastes fortes de realidade, todos muito diferentes dos que vivo aqui no Brasil. Mas o que quero relatar nesse texto não é a experiência no país em si, mas as lindas personalidades que conheci lá.

Devido a missão, cada empresa teve direito de transporte para as reuniões e encontros pré-agendados. E nessa oportunidade conheci uma das pessoas mais incríveis que o destino pode cruzar na minha vida: o motorista que me ajudou no período em que estive lá. Um senhor de 50 anos que aparentava ter seus 35, devido a abençoada genética africana. Os dias se passaram e tive o privilégio de ouvir algumas de suas histórias de vida, nas idas e vindas das reuniões com os clientes.

Contou como foi a experiência em uma guerra civil durante boa parte de sua vida. Ter sido tirado da escola aos seus 16 anos para servir o exército sem despedidas a família. Serviu como frente de batalha, tendo que matar muitas pessoas, reação de seu instinto de sobrevivência, sem saber o motivo exato de estar fazendo aquilo. "Construir uma nação de verdade para os angolanos" diziam. No fundo, ele sabia que não se passava mais do que a pura e doentia ambição pelo poder por parte de generais angolanos de alto escalão da época. Perdeu seu pai e seu irmão na guerra, passou por medo, desespero e fome - o máximo que ofereciam de comida eram "bolachas" secas e pesadas de farinha, para enganar o estômago, sem perspectiva se iria sobreviver ao amanhã. Por fim, graças a um tio que era tenente, conseguiu encerrar seus serviços no exército e voltou pra casa, depois de 10 anos. Sua mãe desmaiou ao vê-lo, pois a última vez que o tinha visto era uma criança de 16 anos, que já havia se tornado um adulto.

Porém o que mais me cativou, além de sua história, foi a forma de pensar dele. Não bastasse a guerra, as condições de saneamento e disseminação de doenças eram grandes chances de morte no país, o que tornava quase impossível a esperança de uma vida melhor para qualquer pessoa. Mas aí, ele me disse: "Sou muito grato por ter todos os membros do meu corpo intactos, por ter uma família, um filho no qual me orgulho muito. Ele é homossexual e tenho muita admiração da pessoa que ele é" (a homossexualidade é um tabu gigante no continente africano, assim como é aqui no nosso país). Ao final, complementou: "Sou grato por essa experiência, que me trouxe muitos ensinamentos na vida, o principal é que devemos ser gratos a cada dia, por estarmos vivos".

Conclusão que tirei dessa passagem: As palavras do motorista me fizeram rever e valorizar ainda muitas situações em minha vida. Aprendi muito em uma semana com ele, que acredito nem fazer ideia do quanto mexeu com minha vida. Prometi para ele que iria propagar sua linda mensagem para as pessoas ao meu alcance, pois histórias como a dele devem ser expostas por aí. São os reais heróis do mundo, que lutam, sem mesmo perceber, por um mundo melhor. Nas pequenas atitudes, pequenas palavras e pensamentos, que podem plantar sementes em várias outras mentes. Angola foi um presente em minha vida, sou muito grata por essa oportunidade do destino.

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